Lucas é artista visual curitibano com formação técnica no curso de Produtor Gráfico pelo SENAI-CIC. Desenha e pinta desde seus 12 anos. Após uma jornada de autoconhecimento ao cruzar todos os países da América do Sul por terra, decidiu se dedicar à sua arte como uma missão de vida.

Através do que chama de “espiritualidade do ordinário” reflete em suas criações sobre o sentido e essência da existência. Utiliza as cores da terra e elementos da natureza para evocar esse sentido, buscando assim um escape da vida tecnológica e sobrecarregada da pós-modernidade. Congrega na igreja Família dos que creem.

  • O que um artista plástico faz?

De forma geral, um artista plástico expressa sua arte, suas habilidades, sua poética, sua mensagem de vida através dos meios artísticos: a pintura, o desenho, a escultura. Hoje em dia as artes visuais abarcam mais coisas, abarcam todos os meios tecnológicos, os novos tipos de artes. Então, o artista plástico, basicamente, faz isso, mas eu destacaria que um artista plástico maduro carrega uma poética, uma mensagem clara de vida e tudo o que ele cria, desde os materiais que ele escolhe para criar, até a forma que ele cria, o processo criativo, é conduzido por essa poética, essa mensagem que ele transmite com a arte dele. Alguns escolhem trabalhar com técnicas e um gênero mais abstrato, outros um pouco mais figurativos. Algo interessante de se perceber dentro dessa profissão, é que ela é uma profissão que forma cultura, ela cria ícones que se perpetuam na história. Para nós cristãos, é muito importante entender isso.

Por muito tempo as artes plásticas foram deixadas de lado por causa da questão da idolatria, de criar imagens. O protestantismo contribuiu, colocando um pouco de lado as artes plásticas, mas Francis Schaeffer destaca  em seu livro “A Arte e a Bíblia”, Rookmaaker também diz em “A arte não precisa de justificativa” que a questão não é o criar imagens, mas criar imagens para adoração. Criar imagens é válido, é bom, inclusive os primeiros artistas que ouvimos dentro da fé bíblica, não diria só cristã, pois na época era judaica, os primeiros artistas que vemos foram imbuídos do Espírito, foram tomados pelo Espírito na Bíblia, era Bezalel e Aoliabe, para criar com habilidades artísticas, inclusive imagens e se analisarmos bem o texto bíblico que fala sobre isso, iremos perceber que eles criavam tanto as imagens que eram usadas no culto, mas que não era para adorar essas imagens, era só um meio com simbolismos e significados para houvesse o culto a Yahweh, que não havia imagens de Yahweh, mas eles criavam imagens abstratas que tinham simplesmente a função de ornamentar, e acredito que eles foram chamados por Deus para manifestar a beleza que existe na criação, lembrar essa beleza que existe na criação e para co-criar com Deus. 

Fujimura destaca em seu livro “Arte e fé”, vale a pena acompanhar o trabalho dele, pois é um artista plástico que trabalha com abstrato e tem glorificado muito a Deus através dessa profissão, então é um exemplo de artista plástico que também glorifica a Deus, que trabalha  e consegue estar relacionado com a cultura e podemos ver essa valorização de Deus sobre a arte na Bíblia, é possível ver no Antigo Testamento que tudo era sagrado, todas as profissões, todas as dinâmicas da vida eram tidas como sagradas e não somente aquilo que acontecia no culto. Então vemos os artistas da Bíblia  Bezalel e Aoliabe, criando algo que era usado no culto, mas quando estudamos a cultura judaica da época, os israelitas, percebemos que tudo era sagrado, tudo era conectado, não existia essa separação de sagrado e profano no dia a dia como uma profissão secular e a outra que é o sacerdote, sendo somente este quem fazia as coisas para Deus, não! Tudo era para Deus. 

Eu puxo além dessa concepção natural de olharmos para as artes plásticas, a técnica, o que o artista faz, o que ele cria, além da sua contribuição para a sociedade, também conseguimos perceber, a partir de uma cosmovisão cristã, que essa profissão glorifica a Deus pela própria existência. O Kuyper diz que não existe nenhum centímetro quadrado de toda existência sobre qual Cristo não clame “é meu”. Cristo já é Senhor sobre as artes, já é Senhor sobre todas as áreas de nossa existência, todas as áreas e dinâmicas de nossa existência, as áreas de domínio, Ele já é Senhor. E quando buscamos desenvolver uma profissão e o fazemos sendo pessoas redimidas, estamos fazendo para a glória Dele, já estamos glorificando a Ele fazendo isso de uma forma excelente.      

  • Toda arte precisa ter uma finalidade evangelística? E, por que a maioria dos cristãos que se sentem chamados para as artes preferem ficar pintando somente leões e etc?

A questão da utilidade, Fujimura também destaca em seu livro “Arte e fé”, essa visão de que a arte precisa ter uma utilidade e essa visão é muito mais industrial e tem a ver com a Revolução Industrial e acabou desenvolvendo na gente uma visão pragmática e utilitarista, então tudo precisa ser feito para ter uma utilidade e se não tiver uma utilidade, inclusive que traga benefício para todo mundo, para toda sociedade e se não tiver é algo inútil, é algo que não serve para muitas coisas. E nós abraçamos isso no cristianismo como se “ah, se não for, se não tiver utilidade pragmática e utilitarista, útil e ágil para a sociedade, então é algo que não é para a glória de Deus, é algo que não vale a pena fazer, é algo que não glorifica a Deus”, mas isso não é bíblico. A nossa própria existência, a própria obra prima de Deus, a criação não era necessária para Deus. Em alguns conceitos sobre Deus que podemos entender sobre os atributos Dele,  é que Ele é totalmente suficiente, Ele não precisava de nós, ele não precisa e jamais vai precisar de nós para nada. Ele desejou nos criar. A criação, a nossa própria existência é um ato de abundância, de generosidade de Deus, e é um ato que celebra a própria natureza de Deus e revela quem Ele é. Em nós foi colocado a imagem do Criador e na própria criação, mesmo a natureza que vemos em Romanos que ela manifesta os atributos de Deus e o seu Eterno poder. Ou seja, não precisa ter uma utilidade. A simples criação, o simples ato de criar  já glorifica a Deus, pois ele já manifesta algo que tem a ver com a natureza de Deus, algo que tem a ver com a dinâmica da vida.  Se pensamos em uma definição de vida cristã, bíblica, Jesus é a vida e o ato de criar revela a imagem de Deus em nós e celebra o Criador. Esse é um fato que já é suficiente para nós e a partir disso já conseguimos responder as outras perguntas.

A sociedade ainda é muito influenciada pelo pensamento Industrial, então “ah, a gente precisa ser evangelista”, então ela só vai glorificar a Deus se ela estiver pregando um Evangelho no sentido de carregando a imagem de um Jesus com uma coroa, ou então a  imagem de um leão, ou a imagem de uma águia, pois são simbolos que vemos na  Bíblia, mas ela não precisa ter essa finalidade. Ela pode ser usada para isso e é usada, até mesmo o designer tem parte na arte e é um tipo de arte. O designer cria tantas coisas que ajudam as pessoas a conseguirem compreender o evangelho, a conseguirem entender a mensagem do evangelho através de recursos visuais, audiovisuais e outras coisas, mas a arte não precisa ter essa finalidade para glorificar a Deus.  A arte por si só já glorifica a Deus e não precisa ser útil, e eu acho muito legal algo que o Fujimura destaca sobre esse conceito da arte, é que quando criamos uma arte a partir da cosmovisão cristã, estamos criando a partir da narrativa, da história que Deus conta através da história. 

A linha que norteia toda a história que Deus nos revela  na sua Palavra que é a narrativa de criação, queda, redenção e consumação, e o Fujimura destaca  nessa consumação como Nova Criação. Ele fala que é uma criação, queda, redenção e nova criação. Ele fala que quando estamos criando, estamos caminhando para o novo, já estamos participando de algo que é  eterno, algo que  vai se desembocar, que vai desencadear na eternidade, algo que é contínuo e o artista tem o papel primordial na sociedade de estar continuamente relembrando a sociedade disso e estar gerando coisas que vão se perpetuando e vão caminhando, fazendo com a história caminhe em direção ao novo. Mas, acho que existe outro problema além dessa nossa visão pragmática que é o fato de que criou-se uma imagem espiritualizada sobre alguns símbolos bíblicos. Então, parece que é mais espiritual você desenhar um Leão da Tribo de Judá do que retratar a natureza, ou de você criar algo abstrato, e como já vimos, até o abstrato é bíblico. A música também, às vezes temos problemas com a música abstrata que é a música instrumental, que comunica sentimentos  e a pintura abstrata, por exemplo, também comunica esses sentimentos. As cores transmitem para nós uma expressão que nos impacta quando olhamos e  paramos para prestar atenção. Se ficamos apenas nisso das imagens, às vezes até caímos em algo que quase se assemelha à idolatria que combatemos, rejeitamos e agora  trazemos junto com um misticismo. O místico é bom, muitas vezes, que fala de quando nos conectamos com o transcendente, com aquilo que é sobrenatural, agora o misticismo é ruim, é quando começamos a pegar imagens e criar um estereótipo de espiritualidade naquilo, como se aquilo fosse mais espiritual que outras coisas, e não é mais espiritual. Nós até começamos a criar clichês a  partir disso. Quando vamos ver o crente, ele só desenha, só pinta leão, ou só pinta Cristo em uma cruz, e eu não sou contrário você pintar, inclusive, tenho um leão pequenininho que pintei, mas o ponto é que a arte profética, ou a arte cristã não é você pintar isso. A arte cristã vai muito além disso. Eu posso estar criando um abstrato,  eu posso estar criando uma arte que não carregue o tema religioso e que glorifica a Deus. Se fazemos uma arte que seja com excelência, que nós nos dedicamos a estudar a técnica das artes, estudar a própria história da arte, buscar e entender o que é  uma boa arte, não só no sentido cristão, mas também em um sentido para a sociedade, no sentido daquilo que Deus mesmo pela sua graça tem dado para alguns crentes, pois vemos cristãos criando artes boas.

 Eu destaco e choco outras pessoas porque gosto do Guernica de Picasso, enquanto outras pessoas acham que é um horror, eu não acho, pois ele mostra o horror da guerra, e se você prestar atenção nessa arte cubista, que possui uma estética diferente do realismo, mas que a partir daquela estética, ele conseguiu transmitir o horror da guerra. Se você prestar atenção nos horrores da guerra, na mulher desesperada, você vai perceber que ele consegue ter um caráter profético nessa arte. Por que é profético?  Ele não era cristão e tinha muitas coisas erradas na cosmovisão dele, pois tinha muitas coisas nas artes dele que eram intencionais e ruins, mas nesse sentido ele acertou, e eu vejo graça de Deus nisso. Ele estava sendo profético no sentido de que ele estava denunciando o horror da guerra, e podemos ver biblicamente os profetas fazendo isso, denunciando o horror da violência, o horror  do homem mesmo se destruindo e indo contrário a vontade de Deus. Então você pode falar: “Meu Deus. Então uma arte  moderna de Picasso glorifica a Deus?” E eu  gosto sim de ver dessa forma. E não levava um tema religioso, levava uma causa social. E nós podemos ter uma arte profética que muitas vezes não carrega um tema religioso. É uma arte que muitas vezes vai denunciar. Mas também é uma arte profética no sentido de que manifesta a beleza do mundo que está por vir, e pode não carregar o tema religioso. Claro que entendemos que  não é porque não carrega o tema religioso que não é espiritual, nós fugimos desse dualismo, pois todas as coisas são espirituais, inclusive as coisas naturais, elas carregam a espiritualidade, e eu já vou além, já imagino que quando pensamos a respeito da própria providência de Deus, a  própria imanência de Deus, Ele sustentando, estando presente em toda a criação, em toda e não só  no meio da igreja, ainda que no meio da igreja Ele está presente de uma forma especial,  assim como há uma revelação especial na escritura, mas ao mesmo tempo há uma revelação  geral, há uma graça de Deus que é dada a todos os homens, e nós como cristãos conseguimos ver isso e podemos usar como meio de contato com as sociedade, podemos criar uma boa arte que glorifica a Deus e não carrega apenas o tema religioso, nós podemos nos relacionar com outros artistas que não são cristãos, com a sociedade que gosta de arte e outras pessoas que  estão passando por ali e vendo a nossa arte em uma exposição, e ao conversar com elas  começamos liberar sementes do Novo Mundo, da Nova Criação, daquilo que Deus já fez em nosso interior e que já podemos manifestar naquilo que vai se espalhar por toda a Terra. O Reino de Deus é uma semente que foi plantada e está crescendo e vai tomar toda a Terra. Nós não precisamos chegar daquela forma “oh, esse aqui é o Leão da Tribo de Judá”, pois já se tornou clichê, até mesmo para a galera da igreja.  

  • Francis Schaeffer em A Arte e a Bíblia, disse: “Pense nisto: se Deus fez as flores, é louvável pintá-las e escrever sobre elas. Se Deus fez os pássaros, é bom retratá-los na pintura. Se Deus fez o céu, ele pode ser tema das artes. Se Deus fez o oceano, certamente é louvável escrever poesia sobre ele. Vale a pena criar obras com base nas grandes obras já criadas por Deus”. Como você se sente podendo pintar e criar a partir do que Deus criou?
  • Qual a diferença da tua arte para a arte de um não cristão?
  • O que você faz para que sua arte seja considerada um ato para a glória de Deus?

Eu penso que algo que diferencia uma arte de qualidade e feita por um cristão, é porque ela é imbuída de sentidos, e hoje em dia quando vemos o mundo, o relativismo tomando conta ou o niilismo, que é aquilo “minha verdade é minha e a tua é tua”, ou aquilo “nada tem sentido, eu vou viver como quero, vou fazer o que quero” porque não tem um ser superior. Nós vamos ao contrário do naturalismo e entendemos que o que existe não é só aquilo que  é físico, entendemos que o físico é uma parte da criação e o invisível também é, que  existe o espiritual que dá sentido a todas as coisas. Todas as coisas possuem essência. Não estão largadas sem sentido como se fossem um bando de coisas largadas ao vento, não são um bando de obras do acaso, não! Tudo tem um sentido, vem de um lugar e está caminhando para esse lugar. Acredito que o ponto principal,  é que a arte boa feita por um cristão, é a arte imbuída de sentido. É uma arte criada por alguém que entende o sentido da vida e que faz essa arte a partir de um lugar de relacionamento com Deus, porque a existência só tem sentido quando ela permanece Nele, e nós como artistas, manifestamos o sentido da vida quando criamos Nele, seja uma arte com tema religioso ou não. Se  criamos Nele, estamos criando algo que tenha sentido. Eu acredito que o artista imbuído do Espírito do Criador, do Espírito de Deus que criou todas as coisas e esse Espírito vai gerando vida. Ele não cria morte, pois Nele não há morte alguma, então quando criamos, geramos vida, mesmo quando estivermos denunciando uma questão de injustiça, estamos gerando vida, pois estamos apontando que existe algo errado naquilo e que existe um lugar correto. Entretanto, a arte cristã tem um diferencial a mais. Lembro-me do Guilherme Amarino falando sobre isso, que conseguimos ver muitas coisas de Deus, da graça comum, na arte em pessoas que não são cristãs, assim como no Guernica, mas o que não conseguimos ver é uma resolução consistente, e o artista cristão tem uma resolução consistente, e é Cristo. 

Quando criamos uma arte com sentido, criamos desse lugar de pessoas redimidas, de pessoas que tudo o que fazem, fazem relação com Deus, que  amam  a Ele e fazem por amor a Ele, acredito que aquela arte, espiritualmente vai carregar sentido e transmitir esse sentido. Como cristãos, nós manifestamos ainda mais a beleza da criação de Deus. Em minhas pinturas eu sempre busco manifestar a essência e o sentido, e sempre vou chamar as pessoas a  desacelerar, a parar, olhar para a pintura e gastar um tempo refletindo sobre o que a arte traz para ela e qual é sentimento que a pintura traz para ela.