A vida é cheia de expectativas, de nós sobre nós mesmos; dos outros sobre si próprios e sobre nós; de nós sobre os outros. Todos temos expectativas e, de tempos em tempos, pegamo-nos carregando o peso delas. Algumas são justas; outras não. Alguns sentem que o sucesso final está por trás delas.

Talvez você encare o desafio, independentemente de quão grande ou pequena seja a expectativa, apreciando a incumbência que cada um apresenta. Ou talvez a expectativa pareça estar à espreita em cada esquina, esperando pegá-lo, rasgá-lo e mostrar o quão baixo você caiu (Você consegue adivinhar como eu me relaciono com expectativas?). Em uma coisa se concorda universalmente quanto expectativas: independentemente do tamanho, da importância ou de como respondemos, expectativas são melhores quando são claras e bem comunicadas. Sem surpresas. Sabemos quando tivemos sucesso e quando falhamos.

Nossos relacionamentos estão sujeitos a expectativas, a despeito de reconhecermos seu impacto ou não. Miqueias, em uma de suas passagens mais conhecidas, lembra ao povo de Deus as expectativas que Ele tem em relação a eles. Fazemos bem em também dar ouvidos à sua voz:

“Ó povo, o SENHOR já lhe declarou o que é bom e o que ele requer de você: que pratique a justiça, ame a misericórdia e ande humildemente com seu Deus.” (Miqueias 6:8)

Essas são as exigências, as expectativas de Deus para o Seu povo. Com a dualidade dos elementos de viver para Deus e viver para os outros, essa é a versão profética do resumo de Jesus no Novo Testamento sobre a plenitude da Lei e dos profetas. O que Deus espera tem a ver, de igual forma, com a maneira como nos relacionamos com Ele e uns com os outros.

No entanto, ao contrário de Jesus, Miqueias não estava respondendo a uma pergunta teológica direta. Não apenas há muita informação nesse único versículo — ideias de o que é justiça, misericórdia e andar humildemente com Deus —, mas há o fato evidente de que isso está no capítulo seis (de sete) da mensagem de Miqueias a Judá. Cheio de significado por si só, seu peso escapará de nós se apenas ouvirmos essas palavras inspiradoras.

Miqueias não era diferente de nenhum dos outros profetas. Ele levou a palavra de Deus a um povo distante do Senhor, embora eles pudessem não saber disso. Talvez eles, assim como nós, gostassem das armadilhas de uma religião devotada a Deus. Mas, novamente, talvez como nós e, por certo, como os ouvintes de Isaías, o coração deles estava longe de Deus.

As tribos do norte de Israel foram levadas cativas bem antes de Miqueias transmitir sua mensagem de advertência e esperança ao povo de Judá. Sua mensagem começa com a linguagem generalizada dos erros, isto é, “transgressão” e “pecado”, no capítulo 1, e segue para descrições mais específicas de ganância e injustiça no capítulo 2 em diante. Porém, intercaladas com essas acusações e condenações, estão visões de um futuro de esperança quando lutas e conflitos se transformam em paz (4:3) e os dispersos serão reunidos (4:6-8).

Conforme a mensagem caminha para o capítulo 6, as acusações e condenações (com palavras de esperança) evoluem para acusações formais, e o texto se dissolve em uma cena de tribunal.

Em uma troca em que a voz de Miqueias transmite as palavras de Deus como pleiteante, o povo como réus e o profeta como mediador, culminamos na declaração das expectativas de Deus para o Seu povo.

Em réplica à reclamação não verbalizada de que Deus não agiu em nome e para o bem do povo, Deus pergunta como Ele fez isso. Essa resposta deve ser lida com um senso de ironia porque o que vem a seguir não é nada senão penoso. Eu os sobrecarreguei quando os tirei da escravidão? (Imagine tirá-los da uma vida de fardo para então ser acusado de sobrecarregá-los!). Foi demais para vocês quando lhes concedi líderes para ajudá-los ao longo do caminho? Foi deveras excessivo quando fiz com que Balaão declarasse bênçãos sobre vocês, apesar do fato de que ele fora contratado por Balaque para fazer exatamente o contrário? Ou talvez tenham sido todas as coisas que Eu fiz por vocês enquanto viajavam para Gilgal, experimentado minha provisão e vendo seus inimigos caírem perante vocês?

Deus cataloga uma seleção, apenas uma amostra, de seus resgates e provisões milagrosos para o povo. A implicação é que Judá não tem motivos para reclamar de Deus. Por certo, Ele não está lamentando; porém seria um erro ler a pergunta e a resposta de Deus como se ela viesse de um impassível desobrigado. Deus é retratado aqui como sendo conduzido à tristeza, frustração e raiva pelas ações e atitudes do Seu povo.

Antes que possamos examinar as diretrizes de justiça, misericórdia e humildade, esse conceito de apontar a história para justificar o presente nos pede uma pausa e reflexão, a fim de ponderar o que isso pode significar para o povo de Deus nos dias de hoje. Deus aponta para o ato definitivo de libertação como evidência avassaladora da Sua lealdade e proteção. Ele toma a história, estende-a ao longo do tempo e intenciona explicar e moldar nossas percepções atuais.

Para o povo judeu dos dias de Miqueias, foi o Êxodo, os eventos do deserto e a entrada na Terra Prometida. Para os seguidores de Jesus, nosso êxodo é a vida, morte, ressurreição e ascensão do nosso Senhor. Jesus é o momento determinante do cuidado e provisão de Deus por nós. É o momento, o acontecimento para o qual Deus aponta e diz: “Veja como eu amei você”.

No tribunal de Miqueias 6, os queixosos respondem à evidência de Deus de preocupação amorosa e provisão. Em uma faustosa lista cada vez maior, eles querem saber o que o Senhor deseja. O que ganhará Seu favor e atrair Seus olhos para sua aflição? O que apaziguará o Senhor? Eles não eram alheios às demandas do sistema do templo — qual sacrifício seria suficiente para trazer a bênção do Senhor ao povo? O que poderia evitar o julgamento prenunciado?

“Que podemos apresentar ao SENHOR?” (v.6)

É basicamente a pergunta errada.

Miqueias ressoa sua interrupção no que se tornou uma inquirição quase blasfema de implorar o favor do Senhor e Sua memorável resposta, tanto para escarnecer quanto para repreender.

Deus não deseja ou precisa de sacrifício. Ele não quer que você leve nada para Ele. Você pergunta o que Ele quer? Ele já lhe declarou o que é bom. O que Ele espera? Que você busque a justiça, tenha misericórdia e ande humildemente com Ele!

Deus quer a nós e nossa vida. Ele quer que você viva de uma certa maneira em relação a Ele e aos outros. O que o seu Deus espera? Ele espera que nossa vida seja vivida olhando para fora, ao nosso redor, e para cima. Mas como realmente fazemos isso?

Logo abaixo da superfície, há uma tensão nessas ideias, especialmente em suas modernas concepções ocidentais. A justiça e o sistema de justiça proporcionam a punição, a recompensa, para alguém que tenha cometido um crime. A misericórdia, por outro lado, consiste em não aplicar o castigo merecido pelos atos de uma pessoa. Esses dois parecem antônimos um do outro. Esse é o problema em ler Miqueias e pensar que ele está falando diretamente para nós. A justiça é uma boa tradução; ela capta o significado do que Deus deseja. O problema é que é muito mais fácil trazer nossa prática de justiça para nossa interpretação e aplicação. E o sistema judicial não é o ponto a que Deus está se referindo. Existe uma pista para nossa compreensão no texto.

Partindo de Miqueias, e para o conceito judaico, a justiça não é simplesmente um princípio para ser executado em resposta a certas ações. A justiça começa bem antes do sistema judiciário ser envolvido. Algumas traduções vertem essa frase como “viver de forma justa”. “Viver” é a chave tanto para entender quanto para viver por esse primeiro princípio. A justiça descreve relacionamentos corretos entre as pessoas. Ela consiste em práticas honestas de negócios, políticas justas e justiça na dinâmica social. Isso é viver em respeito mútuo uns com os outros, particularmente dentro da comunidade de aliança do povo de Deus.

As diretrizes para viver com tal visão uns dos outros foram traçadas para o povo, no livro de Êxodo (veja os capítulos 20–23). Lembre-se das palavras de Miqueias: “…o SENHOR já lhe declarou o que é bom”. “Essas instruções incluem proteção aos estrangeiros, aos pobres, escravos, órfãos e viúvas, os quais poderiam ser facilmente injustiçados ou explorados pelos outros”, diz Gary Smith, no Comentário de Aplicação NVI (tradução livre). Dessa forma, a justiça para Miqueias e para o povo de Judá precederia e possivelmente anularia a necessidade de justiça no sentido judicial.

Ame a misericórdia! Como seguidores de Jesus, entendemos que é apenas pela graça e misericórdia de Deus que somos salvos. Nós naturalmente amamos a misericórdia, especialmente quando somos o alvo dessa misericórdia. Porém, assim como a justiça, há mais na misericórdia do que o que é imediatamente aparente ou está ligado à nossa concepção atual.

Misericórdia é uma tradução da palavra hebraica hesed. Essa palavra reconhecível geralmente é usada para descrever Deus em Sua aliança de lealdade ao povo de Israel. É Seu compromisso com eles, ser seu Deus e agir conforme os termos da aliança.

Aqui, no entanto, Deus está exortando Seu povo a eles mesmo amarem a hesed – não a hesed em relação a eles, mas a viver a hesed em relação ao outro. Embora isso possa às vezes requerer que eles mostrem misericórdia a uma pessoa em necessidade (veja a história do bom samaritano), a natureza da hesed como aliança de lealdade levará a guardar as exigências da aliança — cuidar dos pobres, dizimar, adorar, tratar bem os escravos e estrangeiros — em relação a Deus e uns aos outros.

Finalmente, e talvez o mais importante, é andar humildemente com Deus. Andar, na concepção judaica, era uma forma de descrever a maneira como alguém vive. O povo de Deus devia viver humildemente com Ele, não apenas em mansidão e maneiras meigas, mas de uma forma atenta à vontade de Deus. Eles deveriam buscar, com afinco, o que Ele deseja em vez de simplesmente ir atrás dos próprios desejos e caminhos. Smith diz: “Em certo sentido, esse requisito é o mais abrangente dos três, pois, se alguém fizer isso, certamente tratará os outros com justiça e guardará fielmente todas as responsabilidades da aliança”.

Essa é a última chamada para se viver fora de si mesmo. O que Deus espera e o que Ele requer é que não pensemos em nós mesmos, mas em como nos relacionamos e interagimos com Ele e com os outros. Essa é a linguagem da responsabilidade e dos direitos; não para buscar qualquer um deles para nós mesmos, mas a linguagem da responsabilidade quanto aos direitos dos outros.

Justiça e misericórdia são a linguagem da exigência de Deus: que reconheçamos e aceitemos nossas responsabilidades, não busquemos nossos direitos. Estes são cumpridos por outros que reconhecem suas responsabilidades. Deus chama o Seu povo para viver à luz do que Ele fez por nós. Trabalhar e agir de forma que honre e respeite aqueles ao nosso redor. Isso é o que Deus espera de Seu povo. Deus nos deu Jesus. Ele nos declarou o que é bom e nos disse os requisitos da nova aliança: amar a Deus de todo o coração, alma, mente e força, e o próximo como a nós mesmos.

Perguntas para reflexão:

  1. Quais expectativas você sente que foram postas sobre a sua vida? Você se sente pressionado por essas expectativas? Caso sim, como você lida com o estresse?
  2. O profeta Miqueias diz que Deus demanda que Seu povo aja com justiça, ame a misericórdia e ande humildemente com Ele. Essas exigências são algo novo para você? Caso não, você tem procurado vivê-las na vida cotidiana com a família e com os colegas de trabalho?
  3. Já aconteceu de você não se dar conta das bênçãos de Deus na sua vida? Você consegue lembrar que alguma bênção que Deus lhe concedeu a qual você não reconheceu nem agradeceu a Ele?
  4. Como sua compreensão de “justiça” e “misericórdia” mudou depois de ler os quatro estudos do mês de agosto? Houve alguma mudança? Como você vê a justiça e a misericórdia trabalhando juntas? Você as vê como ações opostas?