Era um dos grandes dias de festa em Roma. De todos os extremos do país, um vasto número de pessoas convergiam para o destino comum. Percorriam o Monte Capitolino, o Fórum, o Templo da Paz, o Arco de Tito e o Palácio Imperial em seu desfile interminável até chegar ao Coliseu, no qual penetravam pelas dezenas de portas, desaparecendo no seu interior.

Aqui estavam presentes guerreiros que haviam combatido em distantes campos de batalha e conheciam muito bem o que eram atos de coragem. Porém, não sentiam a menor indignação diante das cenas de covarde opressão que se desenrolavam diante de seus olhos; nobres das antigas famílias estavam ali presentes, mas não existiam olhos para ver, nestas exibições cruéis, o estigma sobre a honra de seus conterrâneos. Por sua vez, os filósofos, os poetas, os sacerdotes, os governadores, as figuras mais importantes, assim como os humildes da terra, ocupavam os bancos; mas os aplausos dos patrícios eram tão sonoros e ávidos como os dos plebeus. Que esperança havia para Roma, quando os corações de seus filhos estavam totalmente entregues à crueldade e à opressão mais brutal que se possa imaginar?

O trono elevado sobre um lugar proeminente do enorme anfiteatro estava ocupado pelo Imperador Décio, a quem rodeavam as principais autoridades romanas. Entre estes, podia-se contar um grupo de oficiais pertencentes à guarda pretoriana, que criticava os diferentes atos da cena vivida em sua presença, com ar de especialistas. Suas gargalhadas estridentes, seu alvoroço e sua esplêndida vestimenta os fazia objeto de especial atenção por parte de seus vizinhos.

Já haviam se apresentado inúmeros espetáculos preliminares; havia chegado o momento de começarem os combates. Apresentaram-se vários, mão a mão, cuja maioria teve resultados fatais, despertando diferentes graus de interesse, segundo a coragem e habilidade demonstrados pelos combatentes. Tudo isso buscava aguçar o apetite dos espectadores, aumentando sua veemência, enchendo-os do mais ávido desejo pelos acontecimentos ainda mais emocionantes, que iriam se seguir.

Um homem em particular havia despertado a admiração e o frenético aplauso da multidão. 

— O bataviano é um hábil lutador, Marcellus — comentou um jovem oficial com seu companheiro, da concorrência da qual já se falou.

— Realmente o é, meu querido Lucullus — replicou o outro. — Não creio ter visto jamais um gladiador melhor que este. Na verdade, os dois que se enfrentaram eram muito melhores do que a média.

— Lá dentro tem um homem que é muito melhor que estes dois.

— Ah! Quem é ele?

— O grande gladiador Macer. Acho que ele é o melhor que jamais vi.

— Tenho ouvido alguma coisa a respeito dele. Achas que o colocarão nesta tarde?

— Acredito que sim.

Este breve diálogo foi bruscamente interrompido por um tremendo rugido que atravessou os ares, procedente do viveiro, ou seja, do lugar onde se mantinham trancadas as feras selvagens. Foi um daqueles bramidos ferozes e terríveis que costumavam lançar as mais selvagens das feras, quando haviam chegado ao extremo da fome e fúria.

Não demoraram para abrir as grades de ferro, manejadas por homens instalados na parte superior, aparecendo o primeiro tigre à espreita na arena. Era uma fera da Ásia, de onde havia sido trazida não muitos dias antes. Porém, a atenção destes não demorou em desviar-se para um objeto distinto. No outro extremo, de onde estava a fera, foi atirado na arena nada menos que um homem. Não levava armadura alguma, além do que, estava nu como todos os gladiadores, com a única exceção de uma tanga. Portando em sua mão direita a costumeira espada curta, avançou com dignidade e passo firme para o centro do cenário.

Imediatamente, todos os olhares convergiram sobre este homem. Os inumeráveis espectadores clamaram freneticamente: “Macer! Macer!”

O tigre não demorou em vê-lo, lançando um breve, mas selvagem rugido que infundia terror. Macer, com serenidade, permaneceu em pé com seu olhar tranquilo, mas fixo sobre a besta que mexia a cauda furiosamente, dirigindo-se a ele. Finalmente o tigre se encolheu, e desta posição, com o impulso característico se lançou ferozmente sobre sua presa. Mas Macer estava preparado. Como um relâmpago, voou para a esquerda, e mal o tigre havia caído em terra, aplicou-lhe uma estocada curta, mas cortante e certeira no coração. Foi o golpe fatal para a fera! A enorme besta estremeceu da cabeça aos pés e, encolhendo-se para tirar toda a força de suas entranhas, soltou seu último bramido, que se ouviu quase como o clamor de um ser humano, depois do qual a fera caiu morta na arena.

A enorme multidão se deteve, levantou fascinada. 

Agora Macer foi conduzido para fora da praça, e o outro gladiador apareceu. Os romanos exigiam variedade. A este novo lutador lhe soltaram um tigre pequeno, o qual foi vencido. Em seguida, foi solto um leão. Este deu mostras de extrema ferocidade, embora seu tamanho fosse comum. Era evidente que o bataviano não se igualava a Macer. O leão se lançou sobre sua vítima, que ficou ferida. Porém, ao lançar-se pela segunda vez ao ataque, aferrou seu adversário e literalmente o despedaçou. Então novamente foi atirado Macer, para quem foi tarefa fácil acabar com o filhote.

E desta vez, enquanto Macer permanecia em pé recebendo os intermináveis aplausos, apareceu um homem no lado oposto. Era o africano. Seu braço nem sequer havia sido atado, e pendia de seu lado, completamente coberto de sangue. Ele se encaminhou hesitante para Macer, com penosos passos de agonia. Os romanos sabiam que este havia sido enviado simplesmente para que fosse morto. E o desventurado também o sabia, porque enquanto se aproximou de seu adversário, jogou fora sua espada e exclamou numa atitude carregada de desespero:

— Mata-me rápido! Libera-me da dor!

Todos os espectadores, um a um, ficaram mudos de assombro ao ver Macer retroceder e deixar cair sua espada no chão. Todos seguiam contemplando maravilhados ao extremo, silenciosos. E seu assombro foi maior quando Macer voltou-se para o Imperador, e levantando as mãos bem alto, gritou:

— Augusto Imperador, eu sou cristão! Eu lutarei com feras selvagens, porém jamais levantarei minha mão contra meus semelhantes. Eu posso morrer, porém, não matarei!

Depois disso, levantou-se um crescente murmúrio, e Marcellus gritou:

— O que ele diz? Um cristão? Quando foi que isso aconteceu?

Lucullus respondeu:

— Soube que os malditos cristãos o visitaram no calabouço, e que ele teria se unido a essa desprezível seita, na qual estão reunidas todas as escórias da humanidade. É muito provável que ele seja um cristão.

— E preferirá morrer antes a lutar?

— Assim costumam proceder aqueles fanáticos.

A ira substituiu a surpresa naquela furiosa turba. Indignavam-se que um mero gladiador se atrevesse a decepcioná-los. Os lacaios se apressaram a intervir para que a luta continuas-se. Se realmente Macer insistia em negar-se a lutar, deveria sofrer todo o peso das consequências.

Porém, a firmeza do cristão era impassível. Absolutamente desarmado avançou até o africano, a quem poderia ter matado simplesmente com um soco. O rosto do africano havia-se tornado, nesses breves instantes, como o de um maluco endemoninhado. Em seus sinistros olhos reluzia uma mistura de surpresa, alegria e triunfo. Agarrando sua espada e aferrando-a firmemente, afundou-a no coração de Macer.

— Senhor Jesus, recebe meu espírito! — saíram essas palavras entre a torrente de sangue em meio do qual esta humilde, porém ousada testemunha de Cristo, deixou a terra, unindo-se ao nobre exército de mártires.

— Costuma haver muitas cenas como esta? — perguntou Marcellus.

— Às vezes é assim. Cada vez que se apresentam cristãos. Eles enfrentam qualquer número de feras. As jovens caminham firmemente ao encontro de leões e tigres, porém nenhum desses loucos quer levantar sua mão contra homens. Este Macer desiludiu amargamente o nosso povo. Era o melhor de todos os gladiadores. Porém, após tornar-se cristão, agiu como tolo.

Marcellus respondeu:

— Deve ser uma religião fascinante aquela que leva um simples gladiador a proceder da forma que vimos!

O Mártir das Catacumbas

Artigo retirado do livro

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