A maioria de nós está em uma situação incomum neste distanciamento social. Nós nos sentimos isolados em nossas casas; alguns até se sentem aprisionados e sufocados. Como o filósofo e matemático francês do século XVII Blaise Pascal observou uma vez: “A única causa da infelicidade do homem é que ele não consegue ficar em silêncio em seu quarto.”

O que fazemos quando estamos presos em casa o tempo todo? Muitos devem trabalhar em casa; em algum momento, a novidade inicial passa, e começam a perder a experiência de ir trabalhar, encontrar colegas com quem trabalham e voltar para casa para descansar. O ficar em casa tende a borrar a linha que separa trabalho e família, e desafia aqueles que têm dificuldades com a autodisciplina.

Estar com os membros da nossa família significa que temos muito tempo para interagir com eles. Para alguns, isso pode ser uma experiência assustadora. Por que falo isso? Se não estivermos acostumados a tais discussões familiares, podemos temer ficar sem tópicos e ter que lidar com o constrangedor silêncio.

Outros estão encontrando maneiras de manter-se ocupados, através do entretenimento e compartilhando informações e notícias (tanto factuais quanto falsas) para os amigos. Alguns se tornaram emissoras de notícias e entretenimento em tempo integral. Para ajudar as pessoas a passar o seu tempo, existem agora mais shows disponíveis, incluindo eventos gratuitos que poderiam normalmente cobrar a entrada. Piadas e memes são compartilhados com todos os contatos. De alguma forma, as pessoas estão tentando passar os dias se divertindo.

Mas é possível, emprestar o título do livro do autor Neil Postman, para que sejamos culpados por estarmos Amusing ourselves to death (Divertindo-se até a morte). Podemos estar desperdiçando uma oportunidade para nos aprofundarmos em relação a Deus e alcançarmos mais amplamente Seu amor.

Quais são algumas oportunidades espirituais proporcionadas pelo distanciamento social?

Primeiro, podemos aproveitar o tempo que nos foi dado para nos aproximarmos do Senhor Jesus Cristo.

Em meio a um tempo cansativo de ministério, Jesus convidou Seus discípulos dizendo: “Vamos sozinhos até um lugar tranquilo para descansar um pouco” (Marcos 6:31). Que oportunidade maravilhosa o Senhor deu aos Seus discípulos para terem tempo de qualidade com Ele, para se afastarem da multidão, do barulho e das vozes, e serem capazes de dar atenção à Sua voz.

O dia normal de um cristão ocupado está cheio de distrações e preocupações. O coração fica desordenado, a mente está confusa, o corpo está exausto, e a alma cansada. Jesus conhece nossas necessidades: precisamos de isolamento e refresco para que nossas almas possam ser bem regadas e nossos corações alimentados com Sua voz e Palavra. Então daremos atenção à verdadeira condição de nossa vida interior.

É possível que o distanciamento social, ao reduzir nossas ocupações e atividades normais, esteja nos dando a oportunidade de nos ocupar com Cristo? Nossa sobrecarga de estimulação sensorial e social pode cessar para que possamos receber uma chuva espiritual de bênçãos do Céu à medida que damos maior atenção ao Senhor?

Ao enviar Seus discípulos para proclamar e demonstrar o poder do evangelho de Cristo, o Senhor os instruiu: “O que agora lhes digo no escuro, anunciem às claras, e o que sussurro em seus ouvidos, proclamem dos telhados” (Mateus 10:27). As duas frases estão conectadas. Quem sussurra em nossos ouvidos? A resposta está na primeira frase: “O que agora lhes digo”. É Jesus quem fala conosco no escuro e sussurra em nossos ouvidos.

Essa ideia refere-se à prática de rabinos e professores religiosos que tinham intérpretes pessoais. Eles sussurravam nos ouvidos dos intérpretes palavras em hebraico. Os intérpretes então falavam em voz alta o que tinham ouvido, em línguas que as pessoas entenderiam.

Essa pandemia presente e a ansiedade no distanciamento que sentimos não parecem um período de escuridão? Considere a praga das trevas experimentada no Egito, quando “ninguém podia ver ninguém ou se mover por três dias” (Êxodo 10:23). Oramos para que a luz apareça e a escuridão acabe.

Mas mesmo nesta escuridão, e especialmente neste período sombrio, o Senhor fala conosco claramente. Ele sussurra em nossos ouvidos. Em nossas vidas normalmente ocupadas e apressadas, nossos corações e mentes são muito barulhentos e distraídos para ouvir o “suave sussurro” de Deus (1 Reis 19:12). Durante o distanciamento, nossos ouvidos podem ser afiados e sintonizados para ouvir Sua voz.

O que o Senhor pode estar sussurrando para nós? Ele está apontando para coisas que não estão certas em nossas vidas, áreas importantes que foram negligenciadas, pecados que devem ser renunciados? Ou Ele está nos lembrando de Suas verdades, promessas e Sua vontade para nós?

Seja o que for que Ele sussurre em nossos ouvidos, podemos proclamar quando a escuridão acabar e nos encontrarmos em situações de “telhado” diante de uma plateia. Talvez o Senhor esteja preparando o coração da Igreja e dando-lhe uma mensagem que deve ser proclamada nos próximos dias.

Em segundo lugar, devemos manter nossos bons hábitos e disciplinas espirituais e sermos cautelosos com o aprendizado de maus hábitos.

O profeta Daniel enfrentou um dilema quando o rei Dario, enganado pelos inimigos de Daniel, emitiu um decreto de que durante 30 dias, ninguém seria autorizado a orar a ninguém além do rei (Daniel 6). Daniel poderia ter dado desculpas por não manter seus hábitos de oração — afinal, foi apenas por 30 dias. Mas ele continuou orando a Deus três vezes por dia.

Em seu livro, Sedentos por Deus (Editora Vida, 2099), o autor e teólogo Richard Foster aponta para a pesquisa que são necessários 30 dias para mudar ou estabelecer novos hábitos. Se você quiser desenvolver um novo hábito, você terá que fazê-lo por pelo menos 30 dias. Se desejar substituir um hábito por outra coisa, você precisa repeti-lo por um mínimo de 30 dias.

Se isso for verdade, imagine o que acontecerá se alguém parar de orar regularmente. Essa pessoa desenvolveria um novo hábito de falta de oração! Como Satanás pode ser sutil em interromper nossas disciplinas espirituais e destruir nossa vida espiritual!

Hoje, todos os nossos cultos da igreja são transmitidos online e os membros acessam em casa. Isso é o melhor que podemos fazer para manter o hábito de nos reunir como o Corpo de Cristo, mesmo que estejamos fisicamente isolados. Mas o que acontecerá quando pudermos voltar para os templos? Será que alguns teriam se acostumado tanto a ver os cultos da igreja e ouvir sermões no conforto de suas casas que eles parariam de frequentar fisicamente suas igrejas?

O escritor de Hebreus exorta seus leitores: “Pensemos em como motivar uns aos outros na prática do amor e das boas obras. E não deixemos de nos reunir, como fazem alguns” (Hebreus 10:24,25). Alguns cristãos naquele tempo tinham desistido deste hábito, a disciplina de se encontrar na igreja; que isso não aconteça conosco no período pós-pandemia.

Também é possível que, mesmo quando acompanhamos os cultos online hoje, possamos desenvolver alguns maus hábitos, como vestir-nos desleixados ou tratar o momento sagrado de adorar a Deus e ouvir Sua Palavra sendo pregada tão levemente que fazemos essas coisas enquanto mordiscamos comida ou deitamos confortavelmente em sofás, como meros expectadores e não adoradores. Tais atitudes se tornarão maus hábitos que podem ser levados para os santuários quando reabrirem.

Positivamente, o distanciamento social nos dá uma grande oportunidade de exercitar nossos músculos espirituais praticando boas disciplinas espirituais. Devemos manter um tempo de silêncio regular que nos conecta com o Senhor profundamente. Podemos passar o tempo sem pressa lendo e meditando na Bíblia, procurando ouvir a voz de Deus sussurrando para nós.

Também podemos aprender a orar profundamente, experimentando a presença do Senhor e engajando-nos em uma conversa sagrada com Ele. Podemos orar por outros que conhecemos e de quem lemos nas notícias, e tornar essa atitude um hábito: interceder por indivíduos e grupos, levá-los à luz de nosso gracioso e justo Senhor.

Terceiro, podemos usar o distanciamento social para alcançar pessoas.

Embora existam pesadas restrições que limitem a interação social, ainda podemos alcançar pessoas necessitadas. Você pode conhecer pessoas que foram infectadas com COVID-19; pessoas lutando nesta crise; pessoas que perderam empregos ou cujos negócios e meios de subsistência estão ameaçados; pais solteiros que são incapazes de lidar com suas responsabilidades; idosos que estão sozinhos e isolados, impossibilitados de sair ou usar aparelhos tecnológicos; ou pessoas que têm doenças crônicas ou terminais e que estão lutando com seu tratamento.

Que tal contactar essas pessoas por telefone? Você pode enviar orações com mensagens de encorajamento— não apenas encaminhando mensagens do WhatsApp que andam por aí, mas mensagens pessoais que são escritas como oração.

Algumas igrejas estão despertando para as necessidades de seus vizinhos. Eles tornaram-se mais conscientes dos sem-teto, dos trabalhadores migrantes, dos pobres e marginalizados, e de muitos outros. Estão encontrando maneiras maravilhosas de abrir suas igrejas para os sem-teto, enviando comida para os pobres, ou acolhendo pessoas problemáticas e buscando órgãos voluntários para atendê-los. E alguns cristãos estão se voluntariando para ajudar no cuidado dos pacientes e dos que são seriamente afetados pela pandemia.

São oportunidades para alcançarmos a verdade e o amor de Cristo. Ao fazê-lo, eles também podem se tornar hábitos duradouros que darão profundidade a nossas vidas e trarão glória a Deus.

Se o Senhor permitiu a pandemia e o distanciamento social, devemos ter em mente que Ele ainda está no controle. Seus propósitos não mudaram, e sua presença e promessas permanecem vivas a cada dia. O isolamento social nos dá a oportunidade de ter um momento em nossas vidas para desacelerar e ouvir Deus mais claramente, criar raízes mais profundamente em Sua Palavra e fazer conexões reais com indivíduos próximos e distantes.

Não vamos desperdiçar o distanciamento social.

Escrito por Bispo Emeritus Robert M. Solomon