Christian Britto é bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UFPR, onde também concluiu programas de Mestrado e Doutorado em Sociologia. Suas pesquisas envolvem o estudo de epistemologias socioambientais e complexas – suas interfaces com estudos de religião comparada, e o desenvolvimento de métodos sistêmicos para projetos educacionais e desenvolvimento sustentável de comunidades em longo prazo. Foi membro do grupo de pesquisa em Epistemologia e Sociologia Ambiental e do Centro de Estudos Rurais do Paraná. Atualmente, faz parte Melbourne Centre for Community Development, e é professor de antropologia social, sociologia e missiologia na FATEV – Faculdade de Teologia Evangélica em Curitiba. Casado com a Ana Luiza (que também foi Jocumeira), juntos há 19 anos e temos 2 filhos, Isabel (14 anos) e Daniel (7 anos).

1 – De acordo com James W. Sire, uma cosmovisão é: “Um comprometimento, uma orientação fundamental do coração, que pode ser expressada como uma história ou em um conjunto de pressuposições (que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que mantemos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade e que provê a fundamentação pela qual vivemos, movemos e existimos”. Ou seja, em termos leigos, o que de fato é cosmovisão?

A cosmovisão determina o modo de como nós vivemos e é direcionada pela orientação espiritual que nós temos. A princípio, existe uma direção espiritual, esse direcionamento afeta nosso coração que é definido como centro da nossa existência e não no sentido emocional, como algo que determina quem nós somos e, a partir disso temos crenças, sobreposições, valores, emoções, nossos juízos, e tudo isso flui desse direcionamento.
De forma prática, por exemplo, um indígena olha e vive para realidade de uma determinada forma e nós vivemos de outra, ou seja, o que faz com que essas diferenças aconteçam e nós chamamos de cultura, é o conjunto dessas diferenças onde colocamos culturas e crenças.
Há um tempo, a cosmovisão era comparada a um óculos, como se fossem lentes a qual interpretamos a realidade. Esse exemplo funciona, mas tem um detalhe que é a orientação espiritual e vem antes. James Sire coloca esse conceito “Um comprometimento, uma orientação fundamental do coração, que pode ser expressada como uma história ou em um conjunto de pressuposições – que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas – que mantemos – consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente – sobre a constituição básica da realidade e que provê a fundamentação pela qual vivemos, movemos e existimos” no livro Dando nome ao elefante, e ele tem um livro escrito antes chamado O universo ao lado, e nesse livro ele colocou uma definição de cosmovisão como um conjunto de pressuposições e a partir daí temos crenças, valores, comportamentos, etc.
James continuou estudando esse conceito pelo resto de sua vida, e em seu livro, cita que fez a leitura de um livro escrito por um filósofo holandes Dooyeweerd, que explica que há um coração humano, ou seja, o centro da existência humana e esse centro pode estar inclinado ou para o Deus verdadeiro, ou qualquer outra coisa que escolhemos para substituir esse Deus verdadeiro. A partir desse comprometimento que é espiritual, que a minha cognição, meu sistema de juízos e as valorações acontecem.
O conceito de cosmovisão não nasceu dentro da igreja cristã, nasceu com Immanuel Kant, filósofo alemão e a partir disso tem-se várias apropriações do conceito na filosofia, psicologia, inclusive críticos, mas quando essas críticas são colocadas, são direcionadas para a ideia de cosmovisão como cognição, como conjunto de ideias e crenças, nesse sentido o Dooyeweerd vai além e vai dizer que existe as crenças, mas antes, o comprometimento espiritual. Por exemplo, quando uma pessoa é evangelizada, em termos cognitivos e lógicos, ela entendeu o que foi dito, entendeu a mensagem, mas ainda não houve a conversão do coração, ou seja, ela sabe o que é correto, mas a vida ainda não foi transformada.
“A cosmovisão só é transformada quando há uma operação do Espírito Santo de Deus no coração do ser humano”, essa inclinação muda, o coração olha novamente para o Deus verdadeiro e assim, torna-se possível a mudança das crenças, de comportamento e de todas outras coisas. Por isso é importante enfatizar a questão do comprometimento espiritual.

2. Então, nesse sentido, o que é uma cosmovisão cristã?

Essa orientação torna possível a cosmovisão cristã, porque se o coração não estiver comprometido espiritualmente com Deus, tudo é uma especulação, porque a verdade é espiritual, Deus é espírito, não fazendo a separação de espirito e matéria, mas se não houver essa metanoia, essa transformação, a cosmovisão cristã verdadeiramente não é possível, pode até ter uma pessoa que não se converteu, mas que logicamente cria conceitos que se aproximam do evangelho e aquilo tem uma plausibilidade, mas a cosmovisão, nesse sentido, está mais direcionada para a vida, do que para um conjunto de ideias. Podemos refletir a partir dessa orientação, podemos criar teologias sistemáticas a partir disso, mas só é genuíno quando o coração está comprometido com Cristo. Senão é uma espiritualidade morta, é apenas uma discussão.
A partir desse comprometimento, podemos delimitar alguns pilares que nos permitem identificar uma cosmovisão cristã, ou seja, grandes temas e princípios que norteiam a palavra de Deus como a Criação, a Queda, a Redenção e a Consumação. Isso define a cosmovisão cristã, pois, a narrativa bíblica de Gênesis a Apocalipse trata desses quatro temas.
A Bíblia fala de um Deus todo poderoso que já existia desde sempre, desde antes da criação, que cria tudo pelo poder da sua palavra, cria as coisas de modo perfeito. A Bíblia fala sobre a Queda por causa da desobediência do homem, a criação se corrompe e, eu acredito que essa corrupção não é apenas moral ou apenas espiritual, é física também, pois nasceram espinhos no jardim, morremos por causa do pecado. Paulo fala em Romanos 5, que por meio da transgressão de um homem, a morte passa a fazer parte da realidade. Na sequência temos Jesus, Filho de Deus, que é enviado para redimir a criação e Paulo fala isso na carta aos Colossenses que todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra, são redimidas em Cristo Jesus. O escopo da redenção é cósmico, Jesus traz o universo inteiro de novo pra Deus, o universo que era imperfeito, que caiu e que agora volta a se conectar com Deus.
Por fim, aguardamos a consumação dos tempos que é a segunda vinda de Jesus. A Bíblia encerra o apocalipse falando isso “eis que vejo novos céus e nova terra” e temos novamente uma criação perfeita. A base da narrativa bíblica são esses pontos, a Criação, a Queda, Redenção e Consumação que são os elementos que determinam a cosmovisão cristã.

3. Quais as principais diferenças entre quem vive a partir de uma cosmovisão cristã e de quem não vive?

Existem tipos diferentes de cosmovisão cristã e um dos tipos e que não é um tipo bíblico, é a ideia de que há um mundo secular e uma realidade espiritual, chamados de relação natureza e graça, ou melhor, oposição natureza e graça. Natureza seria as coisas criadas, o mundo físico, e graça seria aquilo que chamamos de espiritual. Porém, não existe separação porque Jesus é Senhor de tudo, não há nada em que Ele não seja soberano.
Nós inventamos que existe uma separação entre mundano e cristão, natural e sobrenatural, profano e sacro, racional e revelacional fé e razão, mas isso não existe pelo simples motivo de Cristo não estar dividido, se Ele é Senhor de todas as coisas, tudo se encontra Nele, tudo converge para Ele. O problema de pensarmos dessa forma, é que raciocinamos de modos diferentes, como se existisse um “clique” em nossa cabeça, em que mudamos nossa maneira de falar e agir dependendo do lugar em que estamos situados, entretanto, isso não pode acontecer, pois, Paulo afirma “quer comais, quer bebais, façais tudo para a Glória de Deus”.
O nosso desafio é o de viver integralmente a nossa fé, glorificando a Deus em tudo aquilo que fazemos. A nossa vida precisa glorificar a Deus, não apenas a nossa vida, mas nosso modo de pensar, as teorias científicas precisam ser redimidas. Pegar o pensamento e levar cativo a Cristo Jesus. De onde vem essa ideia? De onde vem esse pressuposto? Isso condiz com o que está na palavra? Harry Blamires, escreveu um livro chamado “A mente cristã” que diz que a mente cristã tem a habilidade de pensar sobre qualquer coisa tendo como base e princípio a palavra de Deus. Essa mudança passa pela mudança da nossa cosmovisão, do nosso entendimento e precisamos orar para que Deus renove nosso entendimento e nosso coração, precisamos estudar a palavra para conhecê-la “o povo perece por falta de conhecimento”, precisamos buscar pela redenção de Deus em qualquer área que esteja ao nosso alcance, ou seja, onde Ele nos colocou, o que Ele nos chamou para fazer, então é ali que as coisas precisam acontecer usando nossos dons, talentos, qualidades e limites, é ali que Ele vai fazer acontecer.

4. Jesus disse em Mateus 5:13-14: “— Vocês são o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. — Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada no alto de um monte.” Sabemos que fomos chamados para fazer a diferença nesse mundo, porém podemos cair no erro de tentar transformar o mundo pela nossa própria força. Até que ponto é nossa responsabilidade “transformar” a sociedade antes que Cristo volte?

As coisas não dependem de nós, não podemos mudar as pessoas na “marra”, não temos poder para mudar nem nós mesmos. Cristhian ouviu uma pessoa falar para que ele lembrasse do apocalipse “eis que faço novas todas as coisas”, quem faz nova todas as coisas? Deus!
Nós precisamos buscar a diferença, senão nos acomodamos, caímos no conformismo e paramos de lutar pela justiça, e Paulo fala “não vos conformeis com este mundo”. O foco não deve estar em “eu vou transformar a sociedade, eu vou transformar o mundo”, o foco deve ser “Senhor, muda a minha vida e me dá graça para que eu pratique o que o Senhor me ensinou”, é no sentido de que devemos colocar em prática as coisas. Pode ser que consigamos transformar as coisas e pode ser que não, porque vivemos em meio ao pecado, lutamos com forças que vão além das nossas.
O que não devemos deixar de fazer é buscar a prática do bem, precisamos buscar a redenção e transformação como meio de colocar em prática a fé que temos, esse caminhar está relacionado com a graça que Deus nos dá. Mudar aquilo que Deus está falando para mudarmos em nossa vida, isso precisa acontecer e se Deus muda nossa vida é uma consequência que aquilo que está ao nosso redor, seja transformado também.